sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Os anos foram passando e o caranguejo roxo “de fúria” tornou-se um jovem adulto muito charmoso e inteligente. Tinha uma carapaça forte e umas pinças enormes que despertavam a atenção das raparigas-caranguejo.

Num dos habituais bailes de sexta-feira, o nosso amigo conheceu a bela “Lili”, uma caranguejo linda. Convidou-a para dançar uma valsa e rodopiaram pelo salão perante o olhar aprovador dos mais velhos. Quando o baile acabou os nossos amigos já estavam apaixonados.



Alguns meses mais tarde resolveram casar. Para os caranguejos, alegres por natureza, o casamento era motivo para grande festa, à qual ninguém podia faltar.

Assim, no dia marcado, o velho navio português Maria da Glória, naufragado em 1871, encontrava-se muito bem decorado pelos recifes-coral e todo iluminado por peixes-luminosos. Um coro bem afinado de peixes-anjo cantava belas músicas e o velho padre tubarão-martelo esperava pacientemente pelos noivos.

O navio estava lotado de convidados. Todos os habitantes do Planeta da Justiça compareceram. Os homens vestiram os seus melhores fatos e as senhoras colocaram pérolas ao pescoço e usaram lindos chapéus.

Quando a “Lili” apareceu todos se calaram perante a sua beleza. Com um lindo vestido feito de espuma e algas marinhas e usando uma anémona como véu, ela era a noiva mais bonita que alguma vez tinham visto. O caranguejo roxo “de fúria” também estava muito elegante e orgulhoso.



Depois seguiu-se um baile fantástico que durou até de manhã. Todos se divertiram muito e dançaram pela noite adentro!
Passado pouco tempo nasceu o primeiro bebé-caranguejo e depois outro e outro e mais outro.

Quando já tinha 18 filhotes o caranguejo roxo “de fúria” começou a pensar seriamente em abrir um negócio para sustentar uma família tão grande.
Então, numa noite de grande tempestade, na taberna, enquanto ouvia os velhos polvos-do-mar a contar histórias de marinheiros humanos que caminhavam em duas pernas e belas sereias com caudas de escamas, o nosso amigo ouviu por entre aqueles gabarolas, uma voz conhecida.

-Zé Polvo! És tu?

-Roxo “de fúria”? Ouvi dizer que tinhas casado!

Os dois velhos amigos sentaram-se a conversar. O “Zé Polvo” também tinha viajado pelo vasto oceano. Tinha visto coisas fantásticas! Em pouco tempo começaram a conversar sobre o futuro das suas vidas e resolveram ser sócios e abrir um negócio em conjunto.

Decidiram abrir uma marisqueira! Para tal, limparam uma velha concha, costuraram toldos coloridos e deram uma grande festa de inauguração.



No início tudo corria bem. A marisqueira “fresquinha” tinha sempre vieiras (uma espécie de molusco), lapas, mexilhão e ostras deliciosas para oferecer aos seus clientes. Também serviam saladas de frutos do mar, muito apreciadas entre as lulas e os polvos.

Todos os dias de manhã bem cedo, chegavam os peixes-palhaço montados em cavalos-marinhos que transportavam novos carregamentos bem fresquinhos destas delícias.

À noite, os velhos lobos-do-mar, os polvos-piratas, que usavam vendas e fumavam cachimbo, reuniam-se na marisqueira e contavam histórias de náufragos e tesouros escondidos. O “Zé Polvo” tinha uma linda voz e cantava músicas românticas, que faziam as damas suspirar.

Mas um dia, o caranguejo roxo “de fúria” começou a reparar que alguma coisa não batia certo. Parecia que o marisco desaparecia da noite para o dia. Como é que era possível? Havia alguma falha na entrega, tinha de falar com os peixes-palhaço…

Então, depois de conferir que estava tudo em condições com a entrega, o nosso amigo começou a pensar que o desvio das vieiras só podia acontecer durante a noite. Mas como? Será que elas fugiam? Ali no Planeta da Justiça, só o facto de pronunciar a palavra roubo fazia estremecer de terror o mais feroz dos tubarões.

Decidiu esconder-se na zona dos viveiros, que são grandes aquários onde se guardam os peixes e os mariscos. Nesse mesmo dia tinha havido uma grande entrega de vieiras. Portanto, agora era só aguardar.

Escondido por entre as algas o nosso amigo roxo esperou. Nos viveiros, estava tudo muito calmo. De repente, ouviu alguém a aproximar-se. Escondeu-me melhor para não ser visto e não tardou a descobrir o amigo “Zé Polvo” a aproximar-se sorrateiramente dos viveiros.
Esperou, no escuro, sentindo o coração bater descompassado. E então…o que ele mais temia aconteceu!

O “Zé Polvo” dirigiu-se aos aquários e antes que o seu sócio tivesse hipótese de dizer alguma coisa deitou os tentáculos a meia-dúzia de deliciosas vieiras e engoliu-as num instante.

Meio atordoado perante um crime tão bárbaro e sentindo-se atraiçoado pelo seu melhor amigo, o caranguejo roxo “de fúria” saiu da sombra e gritou:

-Ladrão! Não posso acreditar que te vi cometer tal crime!

O nosso amigo estava tão roxo, tão roxo de fúria e raiva que começou a aumentar de tamanho. Muito envergonhado o “Zé Polvo” começou a ficar cor-de-rosa e depois pôs-se muito vermelho e ficou muito pequeno.

Que vergonha!

A notícia espalhou-se rapidamente por todo o Planeta da Justiça.

Nunca ninguém tinha ouvido falar de tal coisa: um roubo!
Nem os mais velhos que já tinham muita idade e já tinham visto muitas coisas se lembravam de um caso destes!

Os tubarões estavam muito preocupados e os polvos, tidos como os animais mais prudentes, estavam furiosos.
Era preciso reunir o Conselho Popular!

Assim, numa tarde muito escura que anunciava uma tempestade tropical, todos os habitantes daquele planeta reuniram-se na praia deserta.

Quem falou em primeiro lugar foi um tubarão-martelo que lembrou que, na sua opinião era preciso perdoar o “Zé Polvo” para tentar restabelecer a paz.

Mas logo se fizeram ouvir muitas reclamações. Uma sardinha pôs-se de pé e gritou:

-Nem pensar! Era só o que faltava, nós nunca tivemos crime e não podemos aceitar uma coisa destas. É um criminoso e tem de ser castigado.

-Calma pessoal. Vamos a votos! - Propôs um dos cavalos-marinhos.

E então a velha barracuda que era árbitro nos jogos de domingo deu início à votação.

-Quem é a favor da expulsão do “Zé Polvo”?

A maioria esmagadora das pinças, barbatanas e tentáculos levantaram-se imediatamente. O destino do desgraçado polvo estava traçado.

O “Zé Polvo” estava muito triste mas, num fio de voz, reconheceu que os amigos tinham razão. Dirigiu-se ao seu sócio caranguejo roxo “de fúria” e pediu perdão pelo seu acto tresloucado:

-Desculpa tudo o que fiz. Sei que errei e agora tenho de ser julgado por isso.

O nosso amigo caranguejo também estava muito triste mas a lei era bastante clara. Roubar é um crime!

-Lamento muito, mas não te esqueças: serei sempre teu amigo.

Então, sob escolta dos tubarões-martelo o “Zé Polvo” foi levado para fora do Planeta da Justiça e conduzido ao lado escuro do oceano, onde existiam tribunais, juízes e advogados.

Diante de um juiz muito velho e com umas barbas brancas grandes, conhecido por “terror do oceano” o infeliz polvo ouviu a decisão final do tribunal:
Limpar com as suas fortes ventosas (ponta dos tentáculos) o fundo do mar e pintar, com a tinta preta que produz no seu corpo, todos os barcos afundados ao longo da costa.


The End

2 comentários:

Anónimo disse...

Palavras plenas de "paixão"… em que cada palavra soa a uma entrada repleta de sabores do mar potencialmente boémios que nos transmitem luz, charme e luxo aos sentidos de quem as lê. Vamos lendo parágrafo a parágrafo e gradualmente, sentimos emoções a transbordarem… e os nossos lábios a vestirem-se de transferência e sensualidade… como se de um início de refeição se trata-se… com... água na boca e fogo no corpo!

É em transe e deleitados que ficamos… com tanta fauna marinha cheia de segredos para prolongar o amor. É delicioso vislumbrar os sorrisos de cada interveniente da história… que somos nós (quem a lê) … plenos em êxtase… deixando-nos levar pelo prazer do Nirvana.
Com as tuas palavras arrastas-nos pela senda da paixão desmedida de um prazer continuado… enquanto o tempo se encarrega de estender os segundos.
Continua a festejar o crepitar da cumplicidade vestida de fogo afrodisíaco!
Beijo magma…
nunosantos34@hotmail.com

luafeiticeira disse...

Mudaste de tema?
Não deixaste,obviamente, de escrever boas histórias.

Bom Natal

A Heidi III finalmente regressou.
joca